terça-feira, 21 de setembro de 2010

Texto de Lélia Almeida - Quando é proibido estar descontente



Sou só descontentamento e desassossego, com esta baleia franca agonizante e entalada dentro de mim:


Lélia Almeida.[1]



Si miramos la realidad, las mujeres son más sólidas, más objetivas, más sensatas. Para nosotros, son opacas: las miramos, pero no logramos ir adentro. Estamos tan empapados de una visión masculina que no entendemos. En contrapartida, para las mujeres, nosotros somos transparentes. Lo que me preocupa es que cuando la mujer llega al poder pierde todo aquello. Hay tres sexos: femenino, masculino y el poder. El poder cambia a las personas.

José Saramago.[2]


Ai! Esta baleia franca agonizando na praia de Itaperubá, em Laguna (SC), agonizando frente à nossa impotência, resistindo e sobrevivendo a um coquetel de medicamentos para a eutanásia. Ai! Esta baleia franca entalada dentro de mim, virada numa metáfora de coisas grandes e sagradas, maravilhosas e que parecem que não tem mais lugar e nem cabida neste mundo. Resta-nos observá-la, mirar-nos, bravamente, na sua capacidade de resistência mesmo sabendo que estamos assistindo a sua morte. Passo horas pensando na baleia, tentando adivinhar-lhe as dores, os movimentos impossíveis, a respiração difícil. A baleia levo-a entalada por aonde vou, nestes dias, presa dentro de mim, e um sentimento aterrador se instala sem remédio.

Sinto-me como o protagonista do filme do Bela Tarr, As Harmonias de Werckmeiser, quando a vida de uma pequena cidade do interior da Hungria é transformada com a chegada de uma baleia gigante empalhada. E da sua incompreensão, ao ver a baleia, quando se pergunta sobre como Deus pôde conceber uma criatura daquelas e ainda por cima fazê-la viver no mar!
            

A baleia é mítica, é sagrada, é um símbolo também, e na sua grandeza é a metáfora que escolho para expressar, neste momento, o meu desassossego e o meu profundo descontentamento. Lembro das muitas vezes ao longo da minha vida que tive de mergulhar muda e só no descontentamento, na paralisia da baleia encalhada, como uma criança que ouve da mãe, engole e choro e não reclama, para aquelas situações quando as nossas sábias e pragmáticas mães sabem como ninguém que não nos resta mais nada além de obedecer e aceitar. E calar. E sempre que não pude expressar o meu descontentamento, a minha discordância, o desassossego comprometeu os meus movimentos mais espontâneos e a minha fala mais verdadeira e por isso a minha alma adoeceu. A minha alma que era um mar, um mar que já não podia conter uma baleia. A baleia que mal respira e que não desiste sob os nossos olhos atônitos.

Tenho convivido com um profundo sentimento de frustração e de estar vivendo uma oportunidade única que está sendo desperdiçada. A minha geração de mulheres sonhou e lutou por muitas coisas lá na origem dos movimentos de mulheres deste país. Digo nas origens porque me filio a uma linhagem de outras mulheres, anteriores, que pensaram e me ensinaram tudo o que me faz, ainda hoje, me perceber como cidadã, mãe, profissional e mulher no mundo. Ensinaram-me, antes de tudo, que o movimento de mulheres sempre reivindicou a autonomia das mulheres, de forma mais importante ainda do que a igualdade com os homens. Permanece soberana, em algumas de nós, a raiz de toda esta luta que tem sido, historicamente, uma luta por autonomia. E eis que temos, neste momento, a possibilidade de duas candidatas mulheres à Presidência da República. E nunca o debate foi tão vazio, de tão baixo nível e as mulheres nunca ficaram tão caladas. A baleia agoniza, mas resiste, sinto sua respiração, sua alma que não se entrega. Ai baleia calada!

Quando a então Ministra Dilma Roussef anunciou publicamente que tinha câncer fiquei estarrecida da maneira como os seus colegas de Esplanada e de partido expressaram publicamente o tanto que este fato podia ajudá-la a crescer nas pesquisas como candidata à Presidência da República. Os comentários foram absurdos e não ouvi nenhuma grita de indignação sobre este tratamento dispensado à Ministra, já naquele momento precisávamos ser pragmáticos, outra vez pragmáticos e batendo o martelo, ali já começava a se gestar o que temos como a estratégia urgente de todos estes meses, a pressa desenfreada, o vale tudo porque ela tem de vencer, doa a quem doa, danem-se as baleias, dane-se o meu desassossego. Falava-se da maneira como a doença podia render-lhe uma imagem de lutadora, de sobrevivente e a então Ministra tinha deixado de ser uma mulher e tinha se transformado numa candidata, ia capitalizar com a doença e com outros episódios também. Não vi ninguém questionar estas declarações desastrosas, perversas, mas parece que nada disso é importante e que minhas considerações sabem a um sentimentalismo inoportuno e incorrigível, devo dizer, a esta altura do campeonato.

Lembro de um livro clássico que muitas mulheres da minha geração leram com atenção, Os seis meses em que fui homem, um texto canônico da Rose Marie Muraro[3] onde ela conta do estresse absoluto vivido quando teve de exercer um cargo de alta responsabilidade, e repetir assim os gestos irrefletidos, como chamo os gestos das mulheres que assumem o poder, porque só conhecemos este jeito de exercer o poder, o jeito masculino de fazê-lo, e ai de nós se não for assim, já que é este jeito que nos mantém ou destitui da coisa toda. A coreografia dos gestos irrefletidos, frutos da consciência embargada, valeu-lhe um câncer de útero. Foi uma das poucas narrativas sinceras que vi sobre o assunto.

Outro clássico que vale a pena lembrar é O cálice e a espada da americana Riane Eisler[4], onde ela estuda, ao longo da história do mundo, as relações entre os homens e as mulheres. Atenta para o fato de que não haveria nenhuma evidência consistente, depois de tantas tentativas de prová-la, da existência de um matriarcado na história do mundo. Um matriarcado, que em exata oposição ao patriarcado seria uma sociedade onde as mulheres dominariam os homens. Para a autora isso não aconteceu e esclarece que sim, o que criou uma cultura da deusa ao longo da história do mundo e que é a que sobrevive na nossa memória, seriam momentos em que as mulheres, em comunidades matricêntricas, tinham um lugar de destaque e eram valorizadas num patamar de igualdade aos homens que simplesmente exerciam funções diferentes das delas. Aponta Creta como um momento de excelência desta evidência e propõe que estes momentos da história do mundo se constituíram em momentos de grande florescimento cultural, espiritual e de pacificação.

A teoria de Eisler, que é muito mais inteligente e abrangente do que eu possa contar numa crônica, propõe que para que entendamos as complexas relações de dominação entre os homens e as mulheres, é necessário um olhar diferenciado sobre estas relações através do que ela chama de uma teoria da transformação cultural, a partir de uma perspectiva holística e que reflete sobre os dois modelos básicos de sociedade que subjaz à grande diversidade superficial da cultura humana. Um seria o modelo dominador, popularmente chamado de matriarcado ou patriarcado, onde uma metade da humanidade exerce a supremacia sobre a outra, e o outro modelo chamado de parceria, baseado num princípio de união e onde a diversidade não é equiparada à inferioridade ou à superioridade.

O trabalho de Eisler que começa com estas considerações, no início dos anos 80, teve desdobramentos importantes e o livro que trata sobre o Poder da parceria[5] fez da autora uma importante ativista pela paz. Ela, recentemente, em entrevista ao GNT, disse que o Brasil, através do Bolsa Família, se constitui num exemplo a ser seguido pelo mundo, como uma prática de economia solidária e de pareceria. Ela, portanto, propõem sim, uma alternativa ao que temos no poder, um poder de parceria, onde o lugar das mulheres seja outro, diferenciado, e que sua maneira de estar no poder seja inovadora, negando, entre outras coisas, uma cultura da hierarquia burra, do mundo da guerra e da violência desmedida.

A baleia mal respira dentro de mim, sinto-lhe as ganas de mover-se com força e agilidade, dar uma rabanada com a cauda, mover-se, mas suas forças se esvaem. As minhas mais sinceras esperanças vão-se junto com elas.

A sensação é a de estar vivendo uma oportunidade única e, ao mesmo tempo, a de estar presenciando um irreparável desperdício histórico. O que para mim, na metade da jornada da vida, me abate sobremaneira, sabedora de que não temos muito mais tempo assim para erros incorrigíveis. A oportunidade única deve-se ao fato de que temos, neste momento, duas mulheres candidatas à Presidência da República do País. O desperdício histórico é porque a sociedade brasileira decidiu não pensar sobre este assunto, fazer de conta de que isto não está acontecendo e de onde podemos concluir que se as respostas têm sido imbecis, infantis, senso-comunsíssimas, é porque há uma ausência absoluta das perguntas importantes. E, portanto, a impossibilidade de um debate que não pode ser feito às pressas e nem sob censura.

Fala-se do figurino e do penteado das candidatas, fala-se de sua orientação sexual, falam-se banalidades e superficialidades. A candidata Dilma foi elevada a uma condição de Magna Mater, ao lado do Presidente Lula, que por sua vez, foi elevado a um patamar de líder intergaláctico ou a uma espécie de vice-Deus, coroados agora pelo nascimento de um menino chamado Gabriel, que nasceu abençoado como um anjo, o que nos faz lembrar, uma fábula outra, muito antiga, tão antiga como a existência das baleias, este bicho tão inconveniente a me triturar as vísceras de angústia e agonia.

A propaganda eleitoral do Partido dos Trabalhadores, ao criar esta tríade de presépio, repetida à farta nos comícios, nos discursos e nos palanques, de diferentes maneiras, nega, na prática, o próprio trabalho da Secretaria Especial de Políticas das Mulheres do governo Lula, que as coloca, às mulheres brasileiras, em seus projetos e programas, como protagonistas autônomas e empoderadas sem fazer este uso reacionário e ideológico da figura da mamãezinha terna, coadjuvante, subserviente e subalterna que tem de cuidar do mundo. E trata, assim, o povo brasileiro como um bando de debilóides. Cala a boca baleia, morre baleia!

Continuo sem respostas para as minhas perguntas. As mulheres querem o poder? E chegando lá como querem exercê-lo? Da mesma maneira que os homens? Há outro jeito das mulheres estarem no poder? Como é esse jeito? E os homens, como vão lidar com as questões propostas pelas mulheres? E se elas não concordarem? E se elas se rebelarem? E se elas não obedecerem? Qual o significado do desinteresse de um grande número de mulheres para que se lancem como candidatas? E qual o significado do voto feminino para tal ou qual candidato? E da rejeição deste mesmo voto para tal ou qual candidato? Baleia preguiçosa, burra, esqueceu de pensar, vai pagar caro por isso, pela inconsciência, baleia burra, morre baleia burra!

A poucas semanas da eleição sinto uma imensa frustração, já entrei na pressa da coisa toda, tomara que termine logo, tomara que termine de uma vez. Morre baleia, morre. Vai morrer na praia, seu bicho burro!

Mais uma vez o debate foi negligenciado. Mais uma vez o debate que envolve os desejos, os direitos e as reivindicações específicas das mulheres foi negligenciado, o mundo avança e a história das mulheres encalha como a baleia franca. Muito provavelmente a candidata Dilma será a próxima presidente do país. Pagaremos um preço alto pelas perguntas que deixamos de fazer, das vezes que deixamos de questionar com senso crítico e autonomia de pensamento, das vezes que deixamos de dizer não, de dizer que assim não nos serve, que não se pode tratar uma mulher de determinadas maneiras, como um ser sem vontade e de todas as vezes que compactuamos mudas com este tratamento e com a conivência e passividade de determinadas condutas, das vezes que nos omitimos, das vezes que calamos frente a impossibilidade de alguns tipos de alianças, das vezes que esquecemos que mais cedo ou mais tarde vamos ter de responder às nossas filhas, às nossas leitoras, às nossas alunas, pelas nossas próprias escolhas.

A baleia agoniza, mas não morre, a desgraçada!

Do outro lado do mundo, também numa praia, no final de junho, onze mulheres israelenses levaram mulheres palestinas para passear em Telavive e Jaffa, sem pedir autorização do governo do premiê Benjamin Netanyahu - em desafio à rigorosa lei de entrada em Israel, conforme nos conta Viviane Vaz[6] em matéria publicada no Correio Braziliense. "Nós comemos num restaurante, tomamos banho de mar e nos divertimos na praia". A jornalista Ilana Hammerman conta que os passeios entre palestinas e israelenses têm se repetido cada vez com um número maior de mulheres e se transformado num ato espontâneo de desobediência civil e pacífica já que elas não reconhecem a legitimidade da ocupação, dos muros e dos postos de controle instalados por Israel no território palestino da Cisjordânia.

A baleia sente um frêmito, um frêmito como um raio, como uma faísca, um esboço de resposta, quem sabe.

Enquanto as nossas reivindicações não forem claras, enquanto não modularmos o discurso de maneira inteligente e veemente, enquanto não dissermos a nós mesmas e ao mundo qual é a maneira que queremos exercer o poder e se de fato queremos fazê-lo, enquanto não articularmos a conduta, o gesto e a voz, só nos restará o expediente da desobediência, prática feminina tão antiga esta, que nos projeta para a margem do mundo, para fora da institucionalidade, transformadoras e revolucionárias algumas vezes, inoperantes e esquecidas, quase sempre. Que é como voltar sempre ao começo, ao começo do mundo, ao começo dos tempos. A baleia estertora dentro de mim, uma ânsia, sinto cólicas de angústia nestes últimos dias, o peso e a dor enorme de carregar esta baleia moribunda, as minhas esperanças maltratadas, e essa tristeza sem fim, uma oportunidade histórica desperdiçada, quanto retrocesso! Baleia burra. Vai morrer encalhada, vai morrer na praia, baleia burra!


1- Lélia Almeida é escritora. http://mujerdepalabras.blogspot.com/
3- MURARO, Rose Marie. Os seis meses em que fui homem. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993.
4- EISLER, Riane. O Cálice e a Espada: Nossa História Nosso Futuro. Imago: Rio de Janeiro, 1989.
5- EISLER, Riane. O Poder da parceria. São Paulo: Palas Athena, 2007.



sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Impressa livre?

Texto que escrevi em 2004 e que estou reciclando, por considerar ainda pertinente. Reitero ainda minha total adesão ao conceito de liberdade de expressão civil, coloco minhas preocupações diante do poderio de conglomerados econômicos dentro do capitalismo, inclusive para dispor das Leis ao seu bel prazer. 


Cartoon: Pedro Mendez
 
Impressa livre?

Edson Bueno de Camargo


Sou e acredito que sempre serei defensor da uma impressa livre e independente, por conseqüência, contra qualquer tipo de censura. O mesmo se aplica à produção artística e literária. Até este ponto não há muitas divergências, as afirmações são de quase absoluta unanimidade, principalmente entre os produtores culturais e assemelhados. Dificilmente veremos um intelectual defendendo atos e censura e controle da produção literária, de jornais e demais periódicos.

A questão é que vivemos nos princípios do século XXI, um dilema aparentemente sem solução. Comunicação de massas e entretenimento “cultural” se confundem, onde começa a informação e onde termina a diversão. Tudo é um grande espetáculo. Há um outro fator importante, tudo isso se tornou um grande negócio, envolvendo grandes lucros e o obvio interesse de grandes corporações, que por sua vez estão nas mãos de grandes conglomerados econômicos, que constituem um grande poder e compra e decisão, que em muitos casos supera o poder político, quer diretamente financiando as campanhas de políticos profissionais, quer indiretamente manipulando a opinião pública, apoiando ou espezinhando este ou aquele governo.

A notícia estampada na primeira página ou no horário nobre da televisão, derruba mercados e governos, nem sempre em interesses populares. Depois o desmentido ou errata, quando existem, figuram em uma nota de rodapé, no meio de um caderno qualquer. Nada conserta o estrago feito, reputações são construídas e destruídas, esquecimentos são induzidos.

Sejamos sinceros e deixemos a hipocrisia de lado, as decantadas democracias ocidentais só existem porque os ricos o querem assim, no dia que amanhecerem com uma “dor de barriga” autoritária e totalitarista, como já ocorreu no princípio do século XX, estas acabarão num estalar de dedos, e muito pouco ou nada poderá ser feito para evitar, estamos numa grande ratoeira chamada “mercado”, onde tudo tem um rótulo com um preço, inclusive a consciência coletiva, como numa ratoeira pensamos que podemos pegar o queijo, mas a armadilha desabará sobre nosso pescoço a qualquer momento.

Alguns clamarão, existem leis, existem freios jurídicos contra abusos, a constituição nos garante direitos fundamentais, Cristo dizia que é mais fácil um camelo passar por um buraco de agulha e digo que conheço poucos ou nenhum rico amargando cadeia. Não estou afirmando que toda a justiça seja venal ( embora que em meu foro intimo não tenha nenhuma dúvida), mas, existem dispositivos legais infinitos para quem tem bons e os melhores advogados. A parcela que detém os meios de produção e o mercado financeiro, só apoiará o estado de direito e as leis para persistir do direito a propriedade privada, qualquer lei ou outro documento que se opor a esta lógica vai virar papel higiênico, que embora tenha um importante papel saneador, convenhamos que é um destino pouco nobre para o papel.

Temos ai portanto o paradoxo, que no momento mais democrático que o mundo tem vivido, nos de paramos com alguns questionamentos sem necessariamente, termos uma resposta satisfatória. Existe de fato uma impressa livre e isonômica em condições de poder tão desiguais? O que nos garante que a opinião pública não está sendo permanentemente manipulada? Pode um grande jornal publicar uma notícia, que vai melindrar o cliente com a gorda conta publicitária, quase a razão de ser destes órgãos de imprensa atualmente?

Aparentemente, até inocentes e inconseqüentes “talk-shows” estão contaminados com a lógica perversa do paga-fala. Lançamentos de “novos talentos”, acompanham uma intensa campanha nas rádios, onde a principal ação pode ser o pagamento de regalos aos produtores.

Existem uma outra forma de censura velada, a que não se nega a produção livre e independente, escrevam o que quiserem e como quiserem todos são livres por sua própria natureza, basta o simples fato de não se publicar o que se produz. Não vamos chamar de censura o filtro natural que se faz em relação a qualidade desta produção. Mas a história tem nos mostrado que a proximidade com o poder econômico cria certas facilidades, existem meandros misteriosos do que vai cair ou não no gosto da mídia e da multidão, mas, não podemos negar que uma boa dose de exposição facilita em muito as coisas.

Por fim temos a Internet, que por hora sustenta uma isonomia quase anárquica, de garotos de colégio a portadores de cátedras podem passar suas impressões pessoais para o mundo, mas por quanto tempo? Aqui e ali surgem idéias de controle de conteúdo. O banditismo dos “spamers” e “rachers” , sempre na lógica de ganhar dinheiro ou de “pixação virtual”, poderão acabar fornecendo o argumento que falta para por um freio a liberdade virtual. Podemos por uma pitada de “teoria da conspiração” neste caldo, quem garante que não existe uma possibilidade de controle da Internet, e que o seu aparente descontrole é só “dar corda para enforcar burro”.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Texto de Homero Mattos Jr. - E a história se repete "ad infinitum" no Brasil.

Imagem reflexa                       
Homero Mattos Jr.

Em período a coincidir com a fase decisiva do atual processo eleitoral brasileiro, a Folha de São Paulo informa: vai relançar um dos filmes de uma antiga campanha publicitária na qual, em filmes diversos, imagens de figuras históricas vão surgindo aos poucos para, ao final e em totalidade, revelarem-se em agudo contraste com algumas de suas próprias realizações, listadas estas, uma a uma, mediante locução em back-off.
Não se trata, aqui, de especular sobre as motivações da Folha para -por entre todas as figuras disponíveis nos filmes da antiga campanha- escolher desta feita apenas, e precisamente, uma: Adolf Hitler. Cuida-se de analisar uma sutil (e quero crer não-intencional) indução ao erro, presente no filme em questão.
Até o presente momento não se tem registro de que o ditador nazista tenha passado pela transfiguração moral que os gregos clássicos chamavam de enantiodromia, ou seja, uma mudança psíquica radical, de uma ponta para a outra nas extremidades de um arco entre opostos.
Como sabem os psicólogos: "corremos o risco de nos transformar naquilo que perseguimos". Disso, exemplos históricos, entre tantos, são: o apóstolo S. Paulo; Napoleão e Stalin.
No caso brasileiro, talvez o melhor exemplo seja (por enquanto) o de um jornalista: Carlos Lacerda, figura central de eventos que haveriam de culminar no golpe cívico-militar de 1964.
Apelidado O Corvo, Lacerda começou a fazer política em 1934, na Juventude Comunista do PCB. Membro fundador da Aliança Nacional Libertadora –frente popular contra o imperialismo e o latifúndio, Lacerda acabaria por concluir, em 1939, que a "solução comunista” implicava na instituição de "uma ditadura pior do que as outras, porque muito mais organizada e, portanto, muito mais difícil de derrubar”. Neste sentido o ponto-de-vista de Lacerda possuía intrigante (porém compreensível) semelhança com o expresso por Adolf Hitler em Mein Kampf. A saber: "O que explica o êxito da visão de mundo internacional (dirigida politicamente pelo marxismo) é o fato de ela ser representada por um partido político organizado minuciosamente.”
Não sabemos se, tal como Hitler, Lacerda acreditava que "uma visão de mundo só pode combater e triunfar sob a forma limitada e não numa liberdade ilimitada". Contudo, o moto essencial e underground de todas as grifes golpistas brasileiras -since 1950- traz a assinatura do jornalista: “... não pode ser eleito e, se eleito, não pode tomar posse...” Em 1949, após filiar-se à UDN, Lacerda fundou A Tribuna da Imprensa, jornal porta-voz daquela agremiação e veículo da mais intensa, sistemática e feroz oposição ao segundo governo Vargas.
Em 1950, eleito em Nova York membro da Associação Interamericana de Imprensa, Lacerda foi nomeado secretário da organização no Brasil. E assim ungido, invocando a Democracia (que julgava “necessário ser reformada”) e acusando o presidente Vargas de "malversação de fundos públicos”, “patriarca do roubo” e “gerente-geral da corrupção no Brasil”, muitas outras e tantas campanhas empreenderam o jornalista e seu lendário jornal.
Então, por suas idiossincrasias, Lacerda, e não Hitler, melhor parece adequar-se ao propósito da campanha publicitária em foco. Creio.
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sexta-feira, 3 de setembro de 2010

MÚSICA DE BRINQUEDO/PATO FU - apresentação do album por EVERI RUDINEI CARRARA



MÚSICA DE BRINQUEDO/PATO FU


Recebi o cd MÚSICA DE BRINQUEDO/PATO FU, com imensa alegria de criança que ainda há em mim, e o disco foi feito com instrumentos de brinquedo ou miniaturas, produzido pelo competente John Ulhoa.. Logo pensei no YELLOW SUBMARINE/BEATLES, em especial a música It's All Too Much,na qual dizem haver alguns instrumentos de brinquedo,mas no disco do PATO FU, todos os instrumentos são assim,e tem o vocal das crianças também. As músicas são covers deliciosos, eu sabia que FERNANDA TAKAI gostava da música do Paul McCartney, e meses atrás havia sugerido em seu blog a gravação de uma das canções de Paul, agora ouço com muita satisfação "Live and Let die"; e adorei as versões de Primavera, Rock and Roll Lullabye, Frevo Mulher, Ovelha Negra, Todos Estão Surdos (melhor do que a original cantada por Roberto Carlos), My Girl, e Love me Tender, essas são minhas preferidas.Não há coral de crianças, aquela coisa certinha, não! as crianças cantam e participam como se estivessem brincando nos jardins das delícias musicais. A voz de FERNANDA TAKAI torna qualquer música especial, algo muito frequente ao que ocorria com NARA LEÃO. Mas para ouvir o cd MÚSICA DE BRINQUEDO, é necessário despir-se de vaidades estéticas,de ouvidos acostumados e condicionados aos padrões habituais de ouvir música. FERNANDA TAKAI E O PATO FU podem se dar ao luxo de gravarem o que gostam. são livres como as crianças que brincam com suas emoções não reprimidas.O disco me fez pensar também nas propostas surrealistas do início do século XX, no que ele tem de apelo á liberdade, coragem, diversidade, espontaneidade, certo non sense,e grandeza de espírito. Por que? Vejo que certos artistas atualmente, procuram o comedimento, o profissionalmente razo, tudo certinho, clean, enquadrado aos ditames do mercado.O PATO FU jamais se rendeu ás porcarias que viraram modismos. Eles pertencem áquela estirpe dos que nunca se rotulam, por isso atravessarão décadas de prestígio contínuo.

EVERI RUDINEI CARRARA, consul dos poetas del mundo em araçatuba/sp,editor,músico,agente cultural.site 
http://telescopio.vze.com

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Não quero ser dono de nenhuma verdade



Edson Bueno de Camargo

Esta eleição está mesmo tomando ares de plebiscito, mas temo que o que se discute é um Brasil selvagem e uma sociedade acostumada a pensar em forma de castas, e um Brasil que quer mudar de fato para algo diferente, nem sei bem se muito melhor, mas melhor que o que ai está com certeza será.

Tenho me espantando como as seções de cartas de leitores dos jornais vem sendo tomadas com mensagens furiosas e cheias de ódio. Foram oito anos de governo Lula sob ataque impiedoso. À medida que se vislumbra uma possibilidade de vitória da candidata Dilma, mais raivosas as missivas, quase sempre recheadas de um desagradável ranço de preconceito contra nordestinos, desfavorecidos, xenofobias, elogios a regimes fascistas e saudades do regime militar, e de uma grande falta de solidariedade humana. Tomássemos por medida estas seções dos jornais e suas manchetes, estaríamos no país em um estado pré revolucionário, no entanto o que vejo são pessoas trabalhando em paz e ordem. Eu não vivo no país horrível destas pessoas. Meu país tem problemas, mas se apontam as soluções, as possibilidades.

O que me incomoda é a violência com que estas pessoas se manifestam, há um comportamento xiita de que só eles tem a razão do mundo, e que só há liberdade dentro de sua forma de pensamento, ora a própria Constituição coloca como direito fundamental o Contraditório, elemento necessário à democracia, pensamentos monolíticos são deveras perigosos. Não há possibilidade de diálogo, a unilateralidade das idéias é constrangedora. Ou pensamos igual, ou somos inimigos. Ai de mim que primo pela conversação até a exaustão, e depois descansamos, e continuamos o diálogo. O contrário disto seria nos digladiarmos em arenas públicas, para que o mais forte force a sua razão. Não acredito na lei do mais forte. Desprezo a lei de Talião. Quero o império da palavra, e a ordem pelo cumprimento da Lei, que se pese de forma igualitária. Tenho nojo desta estrutura que chamam hoje de Justiça, eivada pelo pejo da injustiça, da fornicação do dinheiro, da venalidade, da parcialidade diante da riqueza. Sem justiça não há paz.

Quero o fim da sociedade dos doutorzinhos, dos sinhozinhos, do peso vergonhoso do escravismo que não sai das idéias de nossas elites burguesas, da impunidade com base na crença de que algumas pessoas são superiores às outras, pois todos somos necessários ao funcionamento da sociedade. Passou da hora do jogo ter regras mais justas e não mudar quando o mais forte está perdendo. Quero o fim do preconceito lingüístico, do riso nervoso contra os que falam “errado”. Quero o fim da vergonha dos humildes, e o começo da vergonha de quem deveria ter. Quero o país dos que sentam na soleira do quintal para comer sua janta olhando para as estrelas.

Tenho o direito de pensar como bem quiser, de desmascarar o capitalismo e sua aliada prostituta a mídia. Posso ser obrigado a viver sob este regime, mas não sou obrigado a gostar e tenho o direito de mostrar meu desagravo, sem que me venham censurar meu ato, com palavras e ordens e gritos. A minoria barulhenta já governou por muito tempo, está na hora de mudar de verdade. Não aceito mais o argumento da injustiça, do preconceito contra as minorias, da humilhação e criminalização das mulheres que abortam, da violência contra aqueles que querem amar pessoas do mesmo sexo, das pessoas que estão privadas de seus direitos pela recusa do casamento homossexual, da negação das religiões africanas e indígenas, da vergonha de ainda termos fome em nosso Brasil.

Na Internet as mensagens furiosas ainda tomam um ar mais perigoso, o do anonimato, pessoas sem nome se sentem no direito de atentar contra tudo o que é da faculdade humana de tolerância e benevolência. Mensagens de teor de ordem de ódio racial despontam por todos os cantos, qualquer um que defenda uma postura mais humanista é atacado por “trolls”, neologismo que indica patrulheiros morais da antiga ordem que parecem estar em toda a parte. Não há o menor respeito pela opinião dos outros. Nada é sagrado para estes patrulheiros que agem de forma muito semelhante as “tropas de assalto” pré SS nazista (e sabemos bem no que isto deu). A ordem é a violência verbal, os ataques pessoais, e os argumentos mais absurdos. Poucas pessoas com posturas humanistas e socialistas que conheço ficaram impunes, a ponto que não há um só blog de opinião cujos comentários não sejam moderados, tamanha a virulência destes ataques.

Por fim não quero ser dono de nenhuma verdade, pois a verdade é de cada um, só quero o direito de dizer o que penso em paz sem ser coagido ou constrangido. E se for contraposto, que isto aconteça com educação, argumentos e urbanidade.